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Resenha conto: A Menor Mulher do Mundo – Clarice Lispector

Em “A Menor Mulher do Mundo”, o narrador em terceira pessoa nos conta sobre o encontro entre um explorador francês – Marcel Petre e o menor dos seres humanos, uma mulher pigmeia, que ele nomeou de Pequena Flor, cuja vida se dava em uma tribo no Congo.

Nessa obra, Clarice Lispector volta a trabalhar com a alteridade, com nosso olhar sobre o outro e a capacidade de nos colocarmos em seu lugar.

O conto também suscita temas como: a perversidade humana, estranhamento, sadismo, canibalismo e a objetificação do próximo.

O relato sobre o encontro dos personagens sai em uma matéria de jornal e cinco pessoas da classe média carioca interpretam a notícia. As personagens “civilizadas” contemplam a imagem do outro, no caso uma “selvagem”.

“A fotografia de Pequena Flor foi publicada no suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural. Enrolada em um pano, com a barriga em estado adiantado. O nariz chato, a cara preta, os olhos fundos, os pés espalmados. Parecia um cachorro.”

A primeira pessoa não quis olhar para Pequena Flor, porque lhe dava aflição. A segunda em seu apartamento foi tomada por uma perversa ternura: “Quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho…uma bondade perigosa estava no ar.”

Em outro apartamento, uma menina de 5 anos viu a foto e se identificou, pois naquela casa, ela era o menor ser humano. Em outra casa, uma jovem identificou Pequena Flor, como uma pessoa tristinha, ao que a mãe corrigiu: “mas, é tristeza de bicho, não é tristeza humana.”

Outra personagem, a imaginou como um brinquedo; teve a mãe que lembrou da época em que morava em um internato e uma menina havia morrido, ela e suas colegas esconderam o corpo das freiras, para poderem brincar com ela.

Essa mesma personagem percebeu em seu filho a falta dos dentes da frente, para nascerem outros que mordem melhor.  Dessa forma, ela pensa que precisa comprar um terno para ele.

Com essa atitude, possivelmente, ela espera conter a animalidade do filho e a sua própria.

“Metodicamente o explorador examinou com o olhar a barriguinha do menor ser humano maduro. Foi neste instante que o explorador, pela primeira vez desde que a conhecera, em vez de sentir curiosidade ou exaltação ou vitória ou espírito científico, o explorador sentiu mal-estar.”

“É que a menor mulher do mundo estava rindo.”

Nesse fragmento, percebemos que o explorador analisa Pequena Flor de forma metódica e científica, tentando cataloga-la. Mas, no momento da risada, ele a identifica como um igual, um ser humano, por isso, seu mal-estar.

A imagem da mulher pequena evidencia o caráter discriminatório sofrido pela condição feminina em nossa sociedade, por isso, o estranhamento dos outros, a aflição e o desprezo de outras mulheres, mediante a condição. Também, nos mostra o racismo presente. 

Clarice Lispector sempre produziu obras marcadas pela transgressão e rompimento de padrões diante da alienação da vida.

Seus personagens estão em suas vidas cotidianas e medíocres, quando algo acontece e os tira da zona de conforto. A risada da Pequena Flor e a matéria de jornal produziram nos personagens estranhamentos e cada um reagiu de uma maneira, que descortinou os valores sociais.

Como recurso estilístico, o narrador nos conta a história como se fosse um documentário científico, com muitas descrições e clichês. Também, utiliza bastante as palavras no diminutivo para aumentar o nosso mal-estar diante da situação exótica, evidenciando a sombra encoberta das personagens.

Hoje em 10 de dezembro de 2018, Clarice Lispector faria 98 anos. Sua obra é sensacional e aos poucos quero trazer mais comentários a respeito de seus livros.

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