Categorias
Literatura Livros

Resenha conto: A Menor Mulher do Mundo – Clarice Lispector

Em “A Menor Mulher do Mundo”, o narrador em terceira pessoa nos conta sobre o encontro entre um explorador francês – Marcel Petre e o menor dos seres humanos, uma mulher pigmeia, que ele nomeou de Pequena Flor, cuja vida se dava em uma tribo no Congo.

Nessa obra, Clarice Lispector volta a trabalhar com a alteridade, com nosso olhar sobre o outro e a capacidade de nos colocarmos em seu lugar.

O conto também suscita temas como: a perversidade humana, estranhamento, sadismo, canibalismo e a objetificação do próximo.

O relato sobre o encontro dos personagens sai em uma matéria de jornal e cinco pessoas da classe média carioca interpretam a notícia. As personagens “civilizadas” contemplam a imagem do outro, no caso uma “selvagem”.

“A fotografia de Pequena Flor foi publicada no suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural. Enrolada em um pano, com a barriga em estado adiantado. O nariz chato, a cara preta, os olhos fundos, os pés espalmados. Parecia um cachorro.”

A primeira pessoa não quis olhar para Pequena Flor, porque lhe dava aflição. A segunda em seu apartamento foi tomada por uma perversa ternura: “Quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho…uma bondade perigosa estava no ar.”

Em outro apartamento, uma menina de 5 anos viu a foto e se identificou, pois naquela casa, ela era o menor ser humano. Em outra casa, uma jovem identificou Pequena Flor, como uma pessoa tristinha, ao que a mãe corrigiu: “mas, é tristeza de bicho, não é tristeza humana.”

Outra personagem, a imaginou como um brinquedo; teve a mãe que lembrou da época em que morava em um internato e uma menina havia morrido, ela e suas colegas esconderam o corpo das freiras, para poderem brincar com ela.

Essa mesma personagem percebeu em seu filho a falta dos dentes da frente, para nascerem outros que mordem melhor.  Dessa forma, ela pensa que precisa comprar um terno para ele.

Com essa atitude, possivelmente, ela espera conter a animalidade do filho e a sua própria.

“Metodicamente o explorador examinou com o olhar a barriguinha do menor ser humano maduro. Foi neste instante que o explorador, pela primeira vez desde que a conhecera, em vez de sentir curiosidade ou exaltação ou vitória ou espírito científico, o explorador sentiu mal-estar.”

“É que a menor mulher do mundo estava rindo.”

Nesse fragmento, percebemos que o explorador analisa Pequena Flor de forma metódica e científica, tentando cataloga-la. Mas, no momento da risada, ele a identifica como um igual, um ser humano, por isso, seu mal-estar.

A imagem da mulher pequena evidencia o caráter discriminatório sofrido pela condição feminina em nossa sociedade, por isso, o estranhamento dos outros, a aflição e o desprezo de outras mulheres, mediante a condição. Também, nos mostra o racismo presente. 

Clarice Lispector sempre produziu obras marcadas pela transgressão e rompimento de padrões diante da alienação da vida.

Seus personagens estão em suas vidas cotidianas e medíocres, quando algo acontece e os tira da zona de conforto. A risada da Pequena Flor e a matéria de jornal produziram nos personagens estranhamentos e cada um reagiu de uma maneira, que descortinou os valores sociais.

Como recurso estilístico, o narrador nos conta a história como se fosse um documentário científico, com muitas descrições e clichês. Também, utiliza bastante as palavras no diminutivo para aumentar o nosso mal-estar diante da situação exótica, evidenciando a sombra encoberta das personagens.

Hoje em 10 de dezembro de 2018, Clarice Lispector faria 98 anos. Sua obra é sensacional e aos poucos quero trazer mais comentários a respeito de seus livros.

Me siga no instagram! https://www.instagram.com/oroscojuliane/

 

Categorias
Literatura Livros

Resenha livro: No Exílio – Elisa Lispector

No Exílio foi o primeiro livro que terminei da maratona literária, foi a literatura escolhida para representar um autor (a) brasileiro (a). Posso dizer, que devorei a obra, li em 3 dias, intercalando com Ripper da Isabel Allende.

A escrita de Elisa Lispector é bem diferente da de sua irmã Clarice Lispector. Clarice trabalha com questionamentos existencialistas e com o conceito de alteridade, enquanto Elisa prima pela memória e principalmente pelo resgate de suas raízes judaicas.

 Nádia Battella Gotlib define bem a diferença das duas escritoras: “Clarice tem técnica de artista e Elisa tem uma técnica de arquivo, ela fica no território da memória. ”

No Exílio é um livro autobiográfico de Elisa, escrito em 1948. A obra começa nos contando como os pais da escritora se conheceram. O casamento havia sido arranjado de acordo com a tradição judaica.

Família
Pinkhas, Elisa, Tania, Clarice (bebê) e Mania.

Elisa (Lizza) é a filha mais velha, nasceu em julho de 1911, no povoado de Sawranh, na Ucrânia, na época pertencente ao Império Russo. Posteriormente, nasceram a segunda filha do casal Tania (Ethel) e Clarice (no livro como Nina, o nome original é Chaya), a mãe chama-se Mania (Marim no livro, Marieta no Brasil) e o pai Pinkhas.

Posteriormente, lemos descrição da autora a respeito dos pogroms e da Revolução Russa e como a sua família lidou com as tragédias. Essa narrativa é particularmente interessante, pois ela nos transmite uma descrição detalhada dos ataques aos judeus e da guerra civil russa.

avós
Os avós e tias de Elisa Lispector. Mania está em pé à direita. O avô foi assassinado em um pogrom.

Segue um trecho do livro, em que Elisa descreve um pouco do cotidiano da Revolução Bolchevique: “Os homens iam para a morte sem uma razão. Todos os dias caçavam nas lavouras e nas isbás (casas típicas de camponeses russos), armavam-nos e os tangiam para a frente, arremessando-os contra inimigos que desconhecia e não tinham motivo para hostilizar. E os que iam não voltavam”.

Segundo relato da Cruz Vermelha até 1920, pelo menos 40 mil judeus foram assassinados. A seguir a descrição de como eram os pogroms: “O bando invade a cidade, espalha-se pelas ruas, grupos separados invadem as casas de judeus, matando sem distinção de idade e sexo todo mundo que encontram pela frente, com a diferença de que as mulheres são bestialmente estupradas antes de serem assassinadas, e os homens são obrigados a ceder tudo o que está na casa antes de serem mortos.

Tudo o que pode ser transportado é levado embora, o resto é destruído; as paredes, portas e janelas são quebradas, a procura de dinheiro. Quando um grupo parte, vem outro, e depois um terceiro, até que absolutamente nada que se possa levar é deixado na casa….Cada mudança de governo ou administração traz novos pogroms.”

Resultado de imagem para pogrom russian revolution
Crianças judias mortas em um  pogrom em Ekaterinoslav (Ucrânia) em 1905.

Houve pelo menos mil pogroms, durante a Revolução, cometidos por todo o Império Russo. “Em suas memórias não publicadas, Elisa escreve simplesmente: “Foi o trauma decorrente de um daqueles fatídicos pogroms que invalidou minha mãe. ”

O biógrafo de Clarice Lispector, Benjamin Moser levantou a hipótese de que Mania Lispector (mãe das escritoras) teria sido estuprada em um desses pogroms, pois ela tinha uma enfermidade, que a deixou paralítica, possivelmente causada por sífilis.

“Bem no fim da vida, Clarice confidenciou à amiga mais íntima que sua mãe fora violentada por um bando de soldados russos. Deles, ela contraiu sífilis, que nas pavorosas condições da guerra civil ficou sem tratamento”. Benjamin Moser. Clarice, p. 54.

Essa afirmação não é corroborada pela professora da USP Nádia Battella Gotlib (também biógrafa de Clarice), pois não há nenhuma comprovação de que Mania fora estuprada.

“Não se fica sabendo ao certo se a doença teria sido provocada, ou pelo menos agravada, pelo parto. Mas, de qualquer forma, Clarice recebe o impacto da doença da mãe como algo que se relaciona com sua própria existência como filha. ” Nádia Battella Gotlib, Clarice uma vida que se conta, p. 59.

No entanto, tem uma passagem em No Exílio, que me deixou muito intrigada: “Quando deu por si (Mania), estava na rua, de cabelos ao vento, a neve quase a atingir-lhe a cintura. Ao avistar dois milicianos vindo em sua direção, caiu-lhes aos pés, pedindo auxílio. Chorou, implorou, beijou-lhes as botas enlameadas. ” Percebe-se que Elisa nos dá uma pista do que aconteceu, ao mesmo tempo, não revela quase nada. 

Nunca teremos nenhuma comprovação, mas as chances de infelizmente, Mania ter sido violentada são grandes, visto que esse tipo de violência foi recorrente, durante a guerra civil. 

Segundo Benjamin Moser, no distrito de Haysyn na Ucrânia, onde a família Lispector residia, houve ao menos 29 pogroms. Segundo a Cruz Vermelha os ataques aos judeus nessa região foram os mais cruéis perpetrados.

Elisa descreve um dia após ao pogrom, com as mães chorando seus filhos e marido mortos e as mulheres que devido aos traumas perdiam a fala e algumas enlouqueceram.  

Durante um ataque à aldeia, Mania e as filhas pediram ajuda aos russos para passar a noite, em outra noite de pogrom elas ficaram escondidas no porão.

Pinkhas sobreviveu às noites sangrentas, pois estava trabalhando como mascate em outra cidade. Quando ele chegou em casa, se deparou com sua residência destruída. Nesse momento eles decidiram fugir.

O trajeto até conseguirem chegar em um porto e embarcarem no navio para o Brasil é longo e lotado de percalços, medo e fome.

Conforme a doença de Mania foi progredindo, Elisa foi assumindo as tarefas domésticas. Ela praticamente não teve infância.

No navio com destino ao Brasil, uma mulher percebe a situação precária da família e dá alguns bombons à Elisa, ela nunca tinha visto nada igual. Quando ela vai comer olha o pai triste e acaba jogando os chocolates no mar.

No Brasil os Lispector não encontram uma vida muito fácil. Morando no Recife, Pinkhas se torna mascate e é ajudado pelo cunhado, que o humilha. Eles chegam a quase passar fome.

Elisa tem uma vida exaustiva e de muito trabalho para sua idade. Ela descreve que na escola as crianças tinham uma vida comum, enquanto ela presenciou uma série de atrocidades. Ninguém conseguia compreender aquela menina tão adulta.

Na adolescência, alguns pretendentes aparecem, mas a jovem não consegue se interessar por ninguém. Esse fato causa lhe causa bastante angústia.

Elisa demonstra uma preocupação muito grande com a situação judaica, contrastando com Clarice, que nunca se pronunciou publicamente sobre o antissemitismo e também pouco falava sobre os percalços de sua família.

Fica a dica para vocês de um livro muito bom, que nos conta a história de duas excelentes e importantes escritoras! Para quem gosta da obra da Clarice Lispector, vale a pena conhecer um pouco da sua história, narrada por sua irmã mais velha – Elisa Lispector.

Maratona literária!

https://juorosco.blog/2018/01/17/maratona-literaria/

Entrevistas com Benjamin Moser e Nadia Battella Gotlib

Fotos:

 

Categorias
Cinema Literatura Livros

Os melhores do blog em 2017!!!

Os melhores do Blog em 2017!!

Elegi os 3 melhores do ano, nas categorias filme, série, literatura e documentário!!! Foi muito difícil escolher, porque eu tive contato com muitas obras excelentes!!

Filmes:

1 – Girassóis da Rússia – Vitorio de Sicca

Resultado de imagem para girassois da russia

Quem ainda não assistiu, faça um favor a si mesmo, assista esse filme!!

Ele é sensacional em todos os aspectos, narrativa, edição, fotografia, encenação. Vale a pena!!

A narrativa versa sobre Giovanna (Sophia Loren) que se casa com Antonio (Marcello Mastroianni) soldado do exército italiano, na Segunda Guerra Mundial. Ele é enviado para combater na União Soviética e ao fim do conflito não volta para a casa. Assim, Giovanna decide procura-lo na União Soviética.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/03/14/resenha-os-girassois-da-russia-vittorio-de-sica/

2- A Infância de Ivan – Andrei Tarkovsky

Resultado de imagem para a infancia de ivan

Outro filme, que se eu falar que é uma maravilha é chover no molhado!!! Ele é fenomenal!! Vale a pena você assistir, com certeza!

O enredo é uma bonita e triste história de um garoto soviético de doze ano chamado Ivan, que ficou completamente órfão, devido ao assassinato de toda sua família pelos alemães.

Confira a resenha!!

https://juorosco.blog/2017/02/26/resenha-filme-a-infancia-de-ivan-andrei-tarkovskyurss/

3 – A língua das mariposas – José Luis Cuerda

Resultado de imagem para a língua das mariposas

Outro filme, que eu recomendo que se vc ainda não viu, faça o favor a si mesmo de assistir!!!

A história central é a relação entre o menino Moncho e seu professor Dom Gregório. O garoto tinha muita dificuldade de se relacionar socialmente, possivelmente por ser uma criança muito sensível. Ao ingressar nos estudos o menino terá sua vida mudada para sempre.

Confira a resenha!!!

https://juorosco.blog/2017/02/01/resenha-a-lingua-das-mariposas-la-lengua-de-las-mariposas/

Livros:

1-    A Hora da Estrela – Clarice Lispector

Resultado de imagem para a hora da estrela

 

Um livro, que se eu falar para vocês, que é obra prima é chover no molhado. Da Clarice Lispector eu só tinha lido Paixão Segundo G.H. e tinha gostado bastante. Mas, A Hora da Estrela me surpreendeu, pela narrativa e estética.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/12/15/resenha-livro-a-hora-da-estrela-clarice-lispector/

2-    A Morte de Ivan Ilitch – Leon Tolstoi

Resultado de imagem para a morte de ivan ilitch

Outro livro, que não dá para passar sem ler, é simplesmente incrível!!

A novela versa sobre um sujeito de vida banal, que tentou encontrar respostas para sua vida quando ela já estava no final.Ivan Ilitch era um burocrata, conselheiro da Corte de Apelação, casado e com três filhos. A narrativa começa com a sua morte e depois retrocede,abordando aspectos da sua vida.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/02/17/resenha-livro-a-morte-de-ivan-ilitch-leon-tolstoi/

3- De Amor e de Sombra – Isabel Allende

Resultado de imagem para de amor e de sombra isabel allende

Outro livro muito bom, eu li nas férias de julho!!! Isabel Allende é uma das minhas autoras favoritas e nesse livro ela caprichou!!

A obra é um testemunho das dramáticas situações que ocorriam (podemos dizer que ainda ocorrem) nas Ditaduras Militares Latino-americanas. Apesar de ser fictícia, as situações narradas eram comuns nesse período.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/06/25/resenha-livro-de-amor-e-de-sombra-isabel-allende/

Séries:

1 – Dark – Baran Bo Odar e Jantje Friese

Resultado de imagem para dark

Sem sombra de dúvidas a melhor série, que assisti em 2017!!

Dark tem uma narrativa cheia de suspense, que trabalha com a ideia de temporalidade e  com o conceito de livre arbítrio do ser humano em contraposição ao determinismo histórico.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/12/21/resenha-serie-dark-baran-bo-odar-e-jantje-friese/

2 – The Sinner – Derek Simonds

Resultado de imagem para The sinner

Outra série surpreendente!! Me prendeu do início ao fim!

A narrativa é sobre uma jovem mãe chamada Cora Tannetti (Jessica Biel), esposa de Mason Tannetti (Christopher Abbott), que em um dia tranquilo na praia comete um assassinato sem nenhum motivo.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/12/06/resenha-serie-the-sinner-derek-simonds/

3 – Resenha Série: Gypsy – Lisa Rubin

Resultado de imagem para gypsy série

Gypsy foi simplesmente espetacular!!! As personagens são bem complexas e a trama te prende do início ao fim.

A princípio a série parece versar sobre uma psicoterapeuta, que procura parentes e  namoradas dos seus pacientes e depois começa a se relacionar com eles.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/07/03/resenha-serie-gipsy-lisa-rubin/

Documentários:

1 – Josef Stálin: O tirano vermelho – TV France International

Resultado de imagem para Josef Stálin: O tirano vermelho

Para quem quer conhecer um pouco mais sobre o período stalinista, recomendo fortemente, que assista a esse documentário. Ele é bem detalhado e as imagens selecionadas são bem diferentes.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/10/31/resenha-doc-josef-stalin-o-tirano-vermelho-tv-france-international/

2- Eu nunca te esqueci: O caçador de nazistas – Richard Trank

Resultado de imagem para Eu nunca te esqueci: O caçador de nazistas – Richard Trank

Eu nunca te esqueci narra a vida e o trabalho de Simon Wisenthal conhecido por procurar nazistas, criminosos de guerra, e entregá-los às autoridades para julgamento.

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/10/18/resenha-doc-eu-nunca-te-esqueci-o-cacador-de-nazistas-richard-trank/

3- Quem sou eu? – Estela Bravo (Las Madres de Plaza de Mayo)

Resultado de imagem para Quem sou eu? – Estela Bravo (Las Madres de Plaza de Mayo)

Outro documentário imperdível!!

A obra mostra as crianças (agora adultas), que foram sequestradas pela Ditadura Civil-Militar argentina e colocadas para adoção. Também a luta das Mães da Praça de Maio para saber o que aconteceu com seus filhos desaparecidos!

Confira a resenha!

https://juorosco.blog/2017/11/10/resenha-doc-quem-sou-eu-estela-bravo-las-madres-de-plaza-de-mayo/

Deixei de fora os filmes e livros, nos quais já havia assistido ou lido anteriormente; são eles: 

1984

A Lista de Schindler

Círculo de Fogo

Labirinto de Fauno

Maria Cheia de Graça

Medianeras

Os Filhos da Guerra (Europa Europa)

O Pianista

O Silêncio dos Inocentes

Revolução do Bichos

Todos tem resenhas aqui no blog!

 

Agradeço a todos, que passaram por aqui no ano 2017!! Agradeço as visitas, os comentários, indicações e compartilhamentos!! 

Desejo a todos que 2018, seja um ano repleto de bons livros, filmes!! Que seja um ano repleto de coisas maravilhosas!! 

 

 

 

Categorias
Literatura Livros

Resenha livro: A hora da estrela – Clarice Lispector

A hora da estrela foi a última obra de Clarice Lispector, escrita em 1977.

Nessa obra, a autora optou por criar um narrador/personagem Rodrigo S.M., escritor financiado pela Coca-Cola que não o paga.

Rodrigo S.M. se predispõe a contar-nos a história da jovem nordestina Macabéa, que é uma criação dele e ao mesmo tempo uma parte de si mesmo.

Nesta obra, Clarice Lispector trabalha novamente com a questão da alteridade.

Resultado de imagem para a hora da estrela filme
Cena do filme A hora da estrela .

Apesar de Rodrigo S.M. dizer que não é intelectual, pois “escreve com o corpo”, ele simboliza a ambivalência da classe média letrada brasileira, que tem contato com a cultura letrada, mas ao mesmo tempo lida com uma sociedade de mentalidade escravocrata.

O personagem/narrador encontra-se na confluência das duas classes sociais de um lado o pobre e do outro o capitalista, no topo da pirâmide, isso faz com que ele não se identifique com nenhuma e não saiba qual é o seu papel na sociedade.

Rodrigo S.M. chega ao ponto de dizer, que não pertence à nenhuma classe social e que nem os pobres e nem os ricos consomem suas obras.

32018971_439784496484109_644915105003208704_n

O narrador da obra também tem dificuldade em tomar contato com Macabéa, então inicia o livro com várias especulações existenciais, uma maneira inconsciente de se afastar da realidade social.

Em alguns momentos Rodrigo S.M. demonstra sentir-se culpado, por ter mais do que aqueles, “que passam fome” e em outros momentos tenta afastar-se de Macabéa.

“Mas por que estou me sentindo culpado? E procurando aliviar-me do peso de nada ter feito de concreto em benefício da moça?”

A partir da personagem de Macabéa, Clarice Lispector apresentou um ser humano massacrado pelo capitalismo, a ponto de não ter nem a subjetividade desenvolvida. Para ter sua história contada, ela precisou de Rodrigo S.M.

Macabéa era uma datilógrafa semiletrada, que embora fazia parte da categoria de prestadores de serviços, ganhava muito pouco. Se mantinha no emprego através da piedade do chefe, pois era bem incompetente.

A jovem arruma um namorado terrível – Olímpico, que a trata completamente mal, como um ser completamente inferior.

Olímpico, assim como Macabéa, é nordestino e migrou para o Rio de Janeiro, sobrevivia trabalhando como operário.

Para transformar seu emprego em algo mais chique, ele falava que era metalúrgico. Era uma pessoa muito ambiciosa e sonhava em ser político.

O namorado de Macabéa a troca por sua amiga – Glória, carioca e loira oxigenada. Ele vê na amiga da protagonista, uma forma de ascensão social, pois a moça era do Sul, branca e filha de açougueiro.

Nessa parte, vemos mais uma denúncia feita por Clarice Lispector, a do machismo. Olímpico vê Macabéa e Glória como objetos, transformando ambas em mercadoria.

Macabéa é completamente desumanizada em uma cidade – Rio de Janeiro, “completamente feita contra ela”.

Vive se alimentando exclusivamente de cachorro-quente, compartilha um quarto com mais 4 moças, fede por não tomar banho direito e a cultura, que consome é ouvir Rádio Relógio.

Conforme nos diz Rodrigo S.M.: “Há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa”.

Clarice Lispector foi extremamente hábil em narrar de modo verossímil a pobreza urbana.

A hora da estrela é uma denúncia gritante dos problemas sociais brasileiros.

A hora da estrela é um livro fascinante e bem denso, é o tipo de obra, que requer um esforço do leitor, mas vale a pena se aventurar pela obra de uma escritora tão fascinante! Recomendo fortemente a leitura!

Me siga no Instagram! https://www.instagram.com/juliane.orozco/

 

 

Categorias
Literatura Livros

Resenha conto: Mineirinho – Clarice Lispector

“Esta é a lei. Mas se há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o  sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no  décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina – porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.”  Trecho do conto Mineirinho.

Mineirinho foi uma crônica publicada em 1969, mas também pode ser compreendida como um conto.

Nessa obra, Clarice Lispector problematiza a partir de uma ocorrência policial verídica.

Em 1 de maio de 1962, os jornais cariocas noticiaram  a morte do assaltante Mineirinho, que tinha escapado de um Manicômio Judiciário, a pena dele era de 104 anos de reclusão.

Ele foi encontrado morto em um local afastado com 13 tiros, não havia sangue, possivelmente ele não foi assassinado no local.

Na crônica o alívio que poderia advir da segurança proporcionada pela morte de Mineirinho vai aos poucos, sendo transformado em falta de paz e vergonha, até atingir a transferência psicanalítica eu/Outro.

Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo afirma que a partir das Revoluções Burguesas, a burguesia concedeu ao Estado o monopólio da violência. Visto que no Feudalismo, a violência era privilégio da nobreza, pois somente ela podia portar armas e ir à guerra.

“Porque somos os sonsos essenciais”…..Nos fazemos de bobo, dormindo em nossas casas. A fala humana já tinha falhado com Mineirinho.

Dessa forma, quando o Estado faz uso de uma violência desproporcional toda a sociedade age junto, assim o narrador se coloca também como responsável pelos 13 tiros de Mineirinho, chegando ao ponto de se transformar no bandido.

Segundo o narrador do conto, Mineirinho carrega dentro de si o medo: “um homem que mata muito é porque teve medo”.

Dentro do contexto da narrativa, Mineirinho mata porque é um pária social, enquanto a Polícia que dispara 13 tiros contra ele, transgride o mandamento bíblico: “Não matarás”.

O uso do diminutivo inho (Mineirinho) demonstra um traço de afetividade e proximidade do narrador com o bandido. Mas, a opção do narrador vai além de se aproximar desse Outro, é se transformar nele.

Esse Outro aparece diversas vezes na obra de Clarice Lispector, um cego mastigando chiclete, uma barata no quarto da empregada e até em uma galinha.

Em o Mal-estar da Civilização de Freud vemos que para vivermos em sociedade precisamos recalcar sentimentos violentos, o que Mineirinho não faz.

No entanto, o narrador percebe que a violência de Mineiro está também presente nele e em nós: “Embaixo da casa está o terreno…” (inconsciente). “Tudo que nele é violência é em nós furtivo”.

Mineirinho mesmo antes de morrer já foi desumanizado, pois já havia sido destituído de sua subjetividade e teve sua existência excluída dentro da sociedade de consumo.

Dessa forma, ao deter o mal no Outro, também somos passíveis de executá-lo.

Esse conto me lembrou essa frase de Nietzsche: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”Para Além do Bem e do Mal.

Imagem relacionada

Clarice Lispector em entrevista fala sobre Mineirinho: