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Resenha texto: Inventando o campo de concentração: In: “Os Primeiros Modernos” – Willian R. Everdell

Em 1896, na Terceira Guerra de Independência da colônia de Cuba: Um oficial chamado Valeriano Weyler y Nicolau, que era capitão- geral e governador espanhol, decidiu implementar uma ideia que os espanhóis tinham tido anteriormente: separar os rebeldes na província de Pinar del Rios dos civis que os apoiavam, assim os cidadãos seriam transferidos para locais protegidos.

Tudo foi feito em nome da “proteção” dos civis. Neste campo de reconcentração, os habitantes foram postos em lugares cercados por arame farpado. Dessa maneira, qualquer um que estivesse de uniforme dos combatentes cubanos poderia ser alvejado com segurança, pois se tratava de um rebelde.

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Imagem de crianças padecendo de fome em um campo de reconcentración espanhol.

Os civis se tornaram praticamente prisioneiros, não tinham direito de ir e vir, os alimentos não chegavam em quantidades suficientes e muita gente acabou falecendo de desnutrição e doenças.

O governo espanhol, após pressão internacional, principalmente dos Estados Unidos, exonerou Weyler. Em 9 de abril, a Espanha concordou até com um armistício na Guerra da Independência, em que parte dos seus territórios conquistados passaram para mãos estadunidenses, incluindo Cuba e Filipinas.

Valeriano Weyler voltou à Espanha para retomar sua carreira militar, sufocando revoltas trabalhistas em Barcelona e em 1930 treinou novos oficiais, incluindo Francisco Franco.

O campo de concentração ainda não era um campo de extermínio, que seria inventado depois pelos nazistas.

O Holocausto foi o maior e o mais bem organizado de todos os modos de genocídios. Porém, não foi o primeiro e como vimos na guerra da Bósnia e de Ruanda, não foi o último.

A história dos campos de concentração começou com as casas correcionais da Europa pré-moderna, por exemplo, os campos nazistas nasceram, principalmente Auschwitz, para prender pessoas que eram contra o nazismo.

Gueto de Roma
Representação do gueto judeu de Roma.

Os campos não descendem somente do encarceramento de pessoas, mas principalmente das tradições de segregação de grupos em guetos, como por exemplo, os bairros judeus na Europa, onde as pessoas não eram livres para saírem de lá (não tinham direito de ir e vir). A justificativa para prende-las nesses espaços foi a mesma dada por Valeriano Weyler y Nicolau, proteger as pessoas.

Em setembro de 1900, o general Kitchener que comandava o exército britânico na África do Sul falou abertamente sobre a construção de campos de concentração, dentro das áreas de conflito, esses lugares foram feitos com a desculpa de proteger cidadãos que se rendiam voluntariamente. Os construtores o batizaram de laagers, que em africâner significa acampamento.

 “No mesmo dia, em outra metade do mundo, na África do Sul, Kitchener emitiu um memorando sobre como os laagers seriam projetados, com áreas cercadas e fortins usados como nas prisões para vigiar e prevenir tentativas de fuga. Em janeiro de 1901, foram construídos laagers para boêres em Bloemfoentein, Cabo de Norval, Aliwal North, Springfontein, Kimberly e Mafeking no Transvaal. Haveria finalmente 42 deles, mais 31 para aqueles que os holandeses chamavam de kaffirs, os negros originários da África do Sul.”

Posteriormente, ficou logo claro que esses lugares não se destinavam a proteção de ninguém, 60% dos prisioneiros morreram, os europeus alegaram que as pessoas faleceram devido a doenças.

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Imagem de um laager na África do Sul.

O autor, que é americano, chama a atenção para os Estados Unidos, que além de construir esses campos nas Filipinas, pretendiam fazer o mesmo no próprio país.

Em 1834, o governo norte-americano criou uma reserva para minorias étnicas indígenas. Posteriormente, o governo do estado de Missouri sugeriu fazer o mesmo em relação aos mórmons, dizendo em relação a um menino dessa religião: “As lêndeas produzirão piolhos”, felizmente a ideia não foi para frente.

Em 1904, Von Trotha que havia derrotado a etnia dos hereros na colônia alemã, chamada África Sudoeste emitiu uma ordem de aniquilação referente a essa população.

Essa decisão foi tomada para evitar o mesmo fracasso que os espanhóis tiveram em Cuba. Dessa maneira, os alemães cercaram com arame farpado um território no deserto de Kalahari e colocaram as pessoas capturadas para trabalharem.

Não podemos esquecer do genocídio armênio, o método turco foi enviar unidades militares de aldeia em aldeia, despojando-os de suas casas e numa estrada como refugiados foi muito mais fácil ataca-los.

Sob o domínio dos czares, a Rússia se tornou especialista em controlar minorias, lá os ataques aos judeus, chamados pogroms, em que a população russa entrava nos shetels (aldeias judaicas) e matava a todos que viam pela frente. O interessante é que esses ataques antissemitas eram apoiados pelo governo, como uma maneira de disciplinar a população judaica. Pogrom_de_Bialostok

Imagem de um pogrom de 1906, em Bialystock, atual Polônia, na época o local pertencia ao Império Russo.

Em 1918, Leon Trotski ordenou a construção de campos de concentração para thecos que se insubordinam contra a Revolução Bolchevique e Lenin mandou que todos os militares capturados do exército branco fossem colocados nesses lugares.

No final de 1930, a maioria dos prisioneiros do estado soviético foram mortos por doenças e desnutrição. Hitler e Himmler abriram seus primeiros campos: Oranienburg, Dachau e Columbia House em 1933 e 1934, copiando os gulags soviéticos.

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Imagem aérea do campo de extermínio de Dachau, na Alemanha. Hitler se baseou principalmente nos gulags soviéticos para criar os campos de morte.

Quando decidiu formar os campos de extermínio, o Führer perguntou: “Quem fala hoje em dia do extermínio dos armênios?” Ele acreditava que ninguém se lembraria do Holocausto.

Assim, o autor fecha com um parágrafo que gostei bastante: “A invenção ocidental da arma política clássica do século XX deixou nossa cultura com má consciência. A solução só pode começar com palavras como aquelas que o antigo calvinista John Adams não pode deixar de colocar em sua Defesa das constituições norte-americanas: “Não há nenhuma Divina Providência especial para os norte-americanos e a sua natureza é a mesma dos outros.”

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Esse texto é excelente, pois nos mostra que a origem da ideia dos campos de concentração, que nas mãos dos nazistas se tornaram campos de extermínio já estava colocada desde o século XIX. Como o autor falou, foi uma invenção ocidental que começou com os espanhóis em Cuba.

William R. Everdell é professor e autor historiador norte-americano, nascido em 1941, se formou em Priceton Universtary.

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Cinema

Resenha filme: De Amor e Trevas – Natalie Portman

De Amor e Trevas é o primeiro filme dirigido por Natalie Portman, que também foi roteirista e interpretou o papel de Fânia, mãe do escritor Amos Oz no longa metragem.

A narrativa baseia-se nas memórias do escritor isralense e narra seu relacionamento com os pais, em especial sua proximidade com a mãe.

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A cena mais comovente do filme, em que Amos Oz já idoso vê sua mãe de maneira embaçada por trás de um vidro. 

O pano de fundo é a Guerra da Independência de Israel e seus desdobramentos na vida privada da família.

O filme começa com flashback de Amos Oz (narrador já idoso, revisitando suas memórias), na época  criança.

Fânia (mãe de Amos) era de uma família judaica-polonesa, que fugiu para a Palestina, quando os pogroms (ataques e assassinatos às aldeias judaicas) e o antissemitismo tornaram insustentáveis.

Arieh, pai de Amos, era de família judaica-lituana e também fugiu para a Palestina por conta do antissemitismo.

Em uma conversa com o filho, à respeito da fundação do Israel, ele dá a entender, que foi estuprado na escola por crianças lituanas e quando seu pai foi reclamar, também foi estuprado, enquanto outros riam.

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Em Jerusalém tinha resquícios do Holocausto. Em livros sobre pós Holocausto eu havia visto sobre essa pessoa, que ficava o dia inteiro gritando a frase acima. Interessante, que ela aparece no filme. 

Fânia quando criança na Polônia sonhava com Israel, “a terra que emana leite e mel”.

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Fânia é confrontada com a dura realidade da guerra. 

Descrita pelo filho como uma pessoa com personalidade sensível e romântica ela é confrontada com a dura vida real, composta por guerra, fila de ração, sacos de areia e principalmente por um casamento monótono.

Adepta de fábulas, que resgatam a tradição de contar histórias, comum no leste europeu, conforme analisou Walter Benjamin a partir da obra Leskov.

Fânia e Amos se divertem contando narrativas uma maneira, que eles encontraram de lidar com a dura realidade.

As histórias apresentam monges, heróis, cavaleiros e acontecem em diversos lugares como Israel e Índia.

A Polônia descrita por Amos, a partir das narrativas da sua mãe, é um lugar lúdico, habitado pela felicidade infantil, mas também um lugar cheio de tragédias.

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Como Fânia via sua infância na Polônia. 

Há um contraste visual entre a Polônia e Jerusalém, apresentada como um lugar caótico e pobre.

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Cena que mostra Jerusalém na época da Independência, um lugar caótico e pobre. 

Com a guerra e seus percalços já descritos, Fânia começa a apresentar sintomas de depressão, que se tornam cada dia mais complicados, principalmente após a morte de sua amiga, por palestinos, enquanto estendia roupas no varal.

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Cena de uma criança judia morta na Guerra da Independência de Israel. As cenas em que mostram a guerra são escuras, simbolizando muita melancolia. 

Além do carinho pelo filho Amós, o casal pouco tem em comum. As rotinas diárias são pouco interessantes para Fânia. Além disso, ela lida com uma sogra insensível e uma mãe déspota.

Fânia entra em um estado permanente de melancolia, não sai mais de casa, não come e passa o dia sentada em uma cadeira, olhando para uma estante de livros.

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Fania passa o dia em um ambiente claustrofóbico, olhando para uma estante de livros. 

Nada escapa ao olhar atento de Amós, que mede milimetricamente cada ação da mãe. Percebe-se por sua expressão, que ele culpa o pai e as avós pela doença de Fânia.

A interpretação de Amós, já idoso (narrador), é que o temperamento “europeu” e romântico da mãe, não era adequado à dura realidade israelense.

“O que ela deixa para trás é uma paisagem exuberante, cheia de histórias, que contrasta com a realidade seca de uma Jerusalém inóspita”.

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Cena da comemoração dos votos dos países a favor da Independência de Israel. 

Amos é uma criança que apresenta uma maturidade precoce, um olhar observador e depressivo. Possivelmente, seja consequência de todos os desafios pelo qual teve que passar.

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Brilhante atuação de Amir Tessler como Amos. 

As cenas foram construídas de maneira dura, mas ao mesmo tempo poética. As cores são frias e o ambiente interno claustrofóbico.

Em relação a Guerra da Independência as cenas são reais da época.

O filme é ótimo e vale muito a pena conferir,  não temos dúvida de que Natalie Portman é uma excelente atriz, mas também demonstrou ser uma ótima cineasta e roteirista.

 

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Resenha: História dos Estados Unidos: Das Origens ao Século XXI. Leandro Karnal, Sean Purdy, Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais.

A primeira pergunta que os autores comentam é: Porque os Estados Unidos são tão ricos e nós não? A resposta americana do século XIX, era que eles tem um vocação dada por Deus , um caminho claro de êxito em função de serem o povo escolhido. Outra explicação seria que a colonização portuguesa e espanhola era de exploração, enquanto a americana era de povoamento.

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Representação dos peregrinos, nas Treze Colônias da América do Norte.

Uma explicação completamente falaciosa: No século XVII, a América espanhola já tinha universidades, bispados, produções literárias e artísticas de várias gerações, enquanto a costa inglesa da América do Norte era um amontoado de pequenas aldeias atacadas por índios e pela fome.

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Cidade do México no período colonial.

Imaginar que para o Brasil só vieram ladrões e bandidos é tão falso, quanto acreditar que para os Estados Unidos foram somente puritanos.

Os autores abordam inúmeras questões para responder essa questão, a construção dos Estados Unidos como uma super-potência é fruto de inúmeros processos.

Os autores abordam no livro a vida cotidiana do Norte e do Sul, os negros e indígenas na sociedade, o racismo, o anti-catolicismo, o antissemitismo, etc. Após a Guerra de Independência e a Guerra da Secessão, os Estados Unidos tiveram que “inventar” uma nova nação.

Houve inúmeras guerras contra o México, que contribuíram para aumentar o território norte – americano. O interesse por assuntos externos, sempre esteve presente, pois os estadunidenses se viam como guardiães das instituições republicanas e democráticas.

Dessa forma, o livro percorre quatro séculos de história dos Estados Unidos, apresentando uma grande variedade de personagens que inclui ultra-conservadores, ativistas de esquerda, feministas, movimentos igualdade social e racial, libertários em geral e reacionários.

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Marthin Luther King pastor protestante importante ativista pelo direito dos negros.

Sem dúvida é uma terra de contrastes, onde temos um cinturão da Bíblia, do politicamente correto, mas também níveis alarmantes de uso de drogas e de violência sexual. Uma sociedade que acredita ser dividida entre winners e losers, baseada em uma noção de esforço pessoal. Quem perde é porque é incompetente e quem vence é o que tem mérito.

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Cena do filme “A procura da felicidade”. Chris Gardner (Will Smith) vence, porque é esforçado e tem mérito. Essa mentalidade é propagada principalmente através de filmes e propagandas. Imagem de divulgação.

Após a Segunda Guerra Mundial o demônio da vez foram os comunistas. Por ora, a figura do muçulmano é o diabo, que preenche a necessidade histórica de se construir um inimigo. Cada adversário ajudou a preencher a necessidade histórica permanente “do inimigo construído” e moldar a identidade norte-americana.

Outro ponto importante abordado na obra, é a questão do imigrante, que logo apagam sua origem e duvida do recém-chegado. Os suecos se horrorizavam com os irlandeses, italianos católicos torciam o nariz para os judeus russos, os latino-americanos ressuscitam os discursos sobre a identidade anglo-saxônica. Talvez, isso ajude a explicar a vitória do Trump nas eleições.

Dessa forma, para o bem e para o mal o destino do mundo está associado aos Estados Unidos. Compreender isso é importante para qualquer análise do nossa sociedade.

Recomendo a leitura desse livro para todos que querem compreender o mundo atual.

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Hino da República e a ideia dos americanos como o povo escolhido de Deus.