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Resenha livro: Gênesis. In: “Guia Literário da Bíblia” – Robert Alter e Frank Kermode

O Gênesis é o primeiro livro da Bíblia e parte de um projeto que une os livros da Torá com Josué, Juízes, Samuel e Reis em uma configuração: desde a criação do mundo, a escolha do povo de Israel e seu estabelecimento em Canaã, até o cativeiro dos hebreus na Babilônia.

A palavra chave para compreendermos o referido livro é “toledot”, literalmente procriações em português. As procriações propiciam uma estrutura sólida que sustenta e articula meticulosamente as várias seções do Gênesis.

Toledot completa dois ciclos em Abraão e Jacó, Noé e o Dilúvio, o início do ciclo de Jacó, e o início da história de José.

Assim, as vidas dos protagonistas Abraão, Jacó e José são apresentadas dentro da estrutura das procriações de seus pais (Terá, Isaque e Jacó). Essa imagem de concatenação revela a consideração maior do livro inteiro: vida-sobrevivência-descendência-fertilidade-continuidade.

Jacó
Jacó lutou com o anjo e venceu e recebeu o nome de Israel. Essa passagem demonstra sua força psíquica.

As possibilidades, limites e aspectos precários da sexualidade são expressamente explorados em, entre outros textos: 12:10-20; 20; e 26:1 – 11; em histórias nas quais mulheres lutam entre si pela maternidade.

“E multiplicarei tua descendência como as estrelas do céu, e darei à tua descendência todas estas terras, e serão abençoadas por tua descendência todas as nações da terra. Porque Abrahão escutou Minha voz e guardou Minha sentença, Meus mandamentos, Meus estatutos e Minhas leis. E Isaac ficou em Guerar.” Gênesis, 26:4 – 6.

Uma história interessante é a de Tamar, nora de Judá, esposa do filho mais velho dele, chamado Er.

Er foi mal aos olhos de Deus, que o matou. Pela lei do levirato, Tamar passaria a ser esposa do segundo irmão – Onán. Essa lei era uma maneira de não deixar a mulher abandonada.

Onán se tornou esposo de Tamar, mas por achar que os filhos não seriam oficialmente dele, mas de Er, jogava seu sêmen no chão. Então, Deus o matou também.

E Judá disse à sua nora para ficar como viúva na casa de seus pais, até que seu terceiro filho – Shelá crescesse.

No entanto, o menino cresceu e Judá, possivelmente ficou com medo de Shelá morrer também e não deu o rapaz.

Tamar precisava ter filhos e só poderia ser com algum homem daquela família, então a moça cobriu o rosto e se vestiu como uma prostituta e esperou o sogro, que havia ficado viúvo, passar em um determinado lugar, a jovem conseguiu engravidar dele.

Depois disseram a Judá, sua nora adulterou, pois está grávida. A população iria matá-la, só que Tamar tinha ficado com o anel, o manto e a vara do sogro.

“E Judá reconheceu e disse: Ela é mais justa do que eu, porque não a dei a Shelá, meu filho! – e nunca mais tornou a conhece-la.” Gênesis, 38:26

Judah-and-Tamar
A necessidade de ter filhos foi levada às últimas consequências por Tamar.

Percebemos como o mandamento da procriação era levado as últimas consequências.

Todas as três matriarcas, Sara, Rebeca e Raquel são estéreis – um obstáculo intransponível à continuidade. No entanto, as três tiveram filhos dados por Deus, esse fato demonstra que o fato de criar filhos é algo divino.

Além disso, a importância da primogenitura é três vezes subvertida ou ironizada: Ismael é mais velho que Isaque, também é portador da promessa; Jacó supera Esaú como rival, mas paga um alto preço, por ter enganado o pai, ele é posteriormente ludibriado pelo sogro e teve que trabalhar como escravo para o pai de Raquel por 14 anos.

Seja qual for o aspecto que considerarmos no texto literário: tema, coordenação tempo e espaço e enredo nos níveis da história, os meios que criam coesão e concórdia são tão poderosos que sobrepujam os aspectos de discórdia, ou seja, as ideias são muito bem encadeadas.

Outra parte importante para a compreensão do Gênesis é a interação entre prosa e poesia e o efeito produzido pela interseção dos dois gêneros. Então, deveríamos examinar o efeito dos comprimentos diferentes dos episódios e como os pontos de vista do narrador e personagens imitam solapam ou enriquecem uns aos outros.

Os poemas curtos no Gênesis têm uma função especial no fluxo narrativo, servindo como ponto de cristalização, eles criam momentos de reflexão. Em uma fórmula poderosa e compacta, para que o leitor não se perca.

“E Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea criou-os.” Gênesis, 1:27.

Também: 2:23. Juntas, elas mostram que a essência do homem é definida por duas dimensões dialógicas, sua relação com o parceiro e sua relação com Deus.

O paralelismo de 1:27 (“Deus criou o homem à sua imagem, /à imagem de Deus ele o criou,/homem e mulher ele os criou) sugere que a humanidade é apenas, em sua condição dupla, a imagem de Deus, o qual, por sua vez, incorpora a igualdade fundamental de homem e mulher.

O pecado do homem no capítulo 3 evoca a questão temerosa: “A imagem de Deus será preservada em nós?” Ela recebe uma resposta positiva através do fio da poesia em 5:1 -2 (em 5:3 o homem agora chamado Adão, transmite a imagem de Deus à sua descendência).

Se tiver alguma dúvida sobre a leitura da Bíblia como Literatura, dá uma lida na resenha que fiz do texto: “A Cicatriz de Ulisses” de Eric Auerbach. Os textos bíblicos representam muito bem a estrutura psíquica do ser humano, com seus vários lados, incluindo as sombras.

Estou usando como referência a Tanah, baseada no Codex de Alepo (Bíblia Hebraica ou Velho Testamento) Hebraico/Português, da Editora Sêfer.

Estou lendo a Bíblia com esse viés, com a ajuda do livro Guia Literário da Bíblia e está sendo interessantíssimo, pois vemos a construção de uma civilização.

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Resenha livro: Seitas e Grupos Manipuladores: Aprenda a Identificá-los – Flávio Amaral

Identificar uma seita à primeira vista não é simples. Elas normalmente apresentam uma fachada comum e são frequentadas por pessoas do nosso cotidiano.

É importante salientar que as seitas não são somente religiosas, mas, podem ser também empresariais, políticas, filantrópicas, etc. Aqui eu darei mais foco nas religiosas, pois, são a maioria.

Acredito que devemos desmitificar o mal. Raramente, seremos atacados por indivíduos pertencentes à grupos satanistas ou neonazistas, associações em que o mal é muito evidente….. O mal tem uma aparência “normal”, dificilmente atípica.

Por exemplo, o “Maníaco do Parque” era um motoboy de aparência gentil, que andava de patins no Parque Ibirapuera aos fins de semana. Se ele fosse incomum não teria feito nenhuma vítima.

Da mesma forma, são as seitas. Elas são comuns, porém, extremamente nocivas.

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Templo do Povo (Igreja do líder Jim Jones). Aparência normal.

Os grupos sectários seguem um mestre, ou alguns mestres. Eles não foram com o tempo sendo colocados por processos eletivos.

Não caracteriza seita, denominações onde os fiéis elegem o pastor ou líder. Ao contrário em grupos sectários  tudo é feito na base da revelação e da profecia. 

Nas seitas não há alternância de poder. O líder não precisa se reportar a ninguém e se for um lugar religioso, esse líder fala em nome de Deus, ou Deus “fala na boca dele”.

As pessoas manipuladas por esses líderes, embora sofra nesse local, protege a igreja com unhas e dentes. Quando alguém tenta alertá-los, eles normalmente dizem: Essa denominação foi revelada por Deus. 

O grupo alega para si mesmo um status especial em relação ao resto do mundo, embora, possa apresentar uma falsa modéstia aos visitantes para manter boas impressões.

As pessoas envolvidas com seita apresentam mudanças rápidas em sua personalidade, atitudes e discursos. De uma hora para outra, o membro se torna irreconhecível.

O autor compara as seitas com as drogas. Os narcóticos têm efeitos diferentes nas pessoas; alguns se viciam de cara, outros demoram e ainda tem pessoas que não se viciam.

“A seita lhe dará uma satisfação psicológica que, até então, você não experimentava em sua vida. É como o “barato da droga”, que tende a cativar aqueles que tenham mais dificuldades de aliviar suas angústias existênciais. ”

A seita pode ser extremamente prejudicial para uns e melhorar outrem.  

Por exemplo, uma pessoa que andava no crime quando entra na seita acaba largando o submundo. O rapaz desempregado encontra um emprego, indicado por alguém da seita.

As seitas podem fazer as pessoas largarem cigarros, drogas e álcool. As mudanças são aparentemente positivas e ajudam a legitimar o trabalho do grupo sectário.

O novo membro apresenta redução gradual do contato com o mundo fora da seita. Família e amigos são deixados de lado, pois, ninguém entende que “a pessoa foi escolhida a dedo por Deus para fazer parte daquela denominação”.

A pessoa pode começar a doar grandes somas de dinheiro, porém, isso não é regra. Com certeza seu tempo será dedicado ao grupo, essa será a maior doação.

As seitas tendem a padronizar a personalidade do indivíduo.

As roupas precisam ser de tal forma, pois assim Deus determinou. Não é necessariamente um uniforme obrigatório. Em grupos heterogêneos nossas referências são diversificadas. Na seita há um padrão a obedecer.

Há também mudança no modo de falar. Palavras ou expressões cujo significado fora do grupo ninguém entende.  

As seitas oferecem respostas e caminhos. A busca da satisfação humana de harmonia, integridade e realização parecem muito próximas quando a pessoa ingressa em uma seita.

Ao mesmo tempo, mesmo pessoas maltratadas no lugar, tendem a continuar, pois, acreditam que o erro é delas e não da igreja.

As seitas não se interessam por indivíduos “fracos”, mas normalmente, por aqueles que tem algo para oferecer.

As pessoas têm que servir de marketing para o grupo sectário. Por exemplo: Bandidos regenerados, mendigos que ficaram ricos, ou, empresários e intelectuais.  

 “Se o discípulo se percebe incapaz de chama-lo para o grupo, ele tende a perder o interesse, deixando de investir em você, convencido de que não é o seu momento, esperançoso de que um dia este momento chegará. Enquanto, você não se “converte” os membros são generosos, atenciosos e afetuosos no trabalho de “recrutamento”.

Quanto mais autoritário o grupo, mais amorosas são as pessoas desse local. Durante o processo de conversão você será incrivelmente bajulado. A doutrinária sectária do lugar pouco importará no início para o novo fiel.

Ao visitar uma seita, com certeza você será bem recebido. Essa recepção não é falsa e a princípio ninguém tem a intenção de te manipular, mas, te salvar.

Diferente dos que muitos pensam, os membros que exercem funções dentro da seita, não recebem salário e se orgulham disso. Trabalham igual a burros de carga em troca de “recompensas do céu”.

Oficialmente, os líderes também não recebem grandes quantias, ou, por vezes não recebem nada. No entanto, os membros mais versados conseguem angariar dinheiro por outros meios, enquanto a grande massa fica esperando “Deus dar em troca”.

Se a seita for empresarial, a pessoa trabalhará muito e sua remuneração será sempre baixíssima. Por vezes, ela pagará para trabalhar, pois precisará “investir” em folders, materiais de campanha, livros, etc.

Quando se aproxima de uma seita, o indivíduo procura algo nobre. As seitas dão prescrições simples e esperança para grandes questões da vida, ao passo que o conhecimento aprofundado em questões espirituais torna nossa mente mais complexa, causando desconforto.

Qualquer pessoa pode ser vítima de uma seita, tanto pobres, quanto ricos, intelectuais e ou empresários. Todos podemos ser enganados.

O autor detalha ponto por ponto de uma maneira bem didática. Eu dei somente uma pincelada nas questões, que achei mais importantes.

Recomendo muito que vocês leiam esse livro. Pois, qualquer pessoa pode ser persuadida a entrar em um grupo sectário e ser levada a fazer coisas, que poderão se arrepender depois.

O autor escreveu uma frase, que serve para tudo em nossas vidas: “Não deixe seu cérebro em casa”. Questione tudo, confira se as pessoas estão dizendo a verdade. Não se iluda com aparências, elas podem esconder coisas que até Deus duvida.

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Veja também:

Como eu me livrei de uma seita -NatGeo

https://juorosco.blog/2017/10/24/resenha-doc-como-eu-me-livrei-de-uma-seita-natgeo/

Vida e morte no Templo do Povo.

https://juorosco.blog/2017/12/07/resenha-doc-jonestown-vida-e-morte-no-templo-do-povo-stanley-nelson/

Alguns vídeos interessantes:

Vídeo do autor:

 

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Cinema

Resenha filme: Menashe – Joshua Weinstein

O filme nos conta a história do personagem Menashe, um judeu ultraortodoxo, viúvo e com um filho chamado Reiven.

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Menashe Lusting como Menashe.

Pela lei judaica um viúvo não é apto para cuidar de uma criança, pois em uma casa deve ter sempre o homem e a mulher.

Dessa forma, para não perder a guarda do filho, Menashe precisa casar novamente.

Enquanto estiver solteiro, seu cunhado e esposa estão responsáveis pela criação de Reiven.

Parece uma situação simples de resolver em um primeiro momento. Seria somente Menashe encontrar uma esposa e tudo estaria certo.

No entanto, o protagonista não quer se casar, mas quer criar o filho, pois ama muito a criança.

Menashe é considerado na comunidade um desafortunado, pois, seu trabalho é ruim, o que ganha mal dá para se sustentar e vive do dinheiro emprestado de outros judeus.

Seu apartamento apertado no Brooklin dá uma sensação constante de claustrofobia.

Em uma cena, o protagonista esquece de fechar a porta de trás da van e várias caixas de peixes caem na rua, gerando um prejuízo de mil dólares.

Para que essa dívida seja paga, Menashe precisa fazer horas extras, fazendo com que ele estreite seu relacionamento com os hispânicos, que trabalham no mercado.

A confluência de dois mundos completamente diferentes se entrelaçam, de um lado um judeu ultra ortodoxo e de outro – dois latinos americanos. Pessoas de tradições e culturas diferentes, mas que tem em comum algumas dores, além do fato de serem imigrantes.

Nessa cena, o protagonista conta como conheceu sua esposa – Leah. Seu pai o levou para Israel e marcou um encontro com uma moça.

Ele a conheceu e se casaram, sem nenhum afeto. O começo do casamento foi extremamente difícil, pois brigavam muito.

Após ter engravidado de Reiven, Leah quis ter outro filho, tentou inseminação artificial, mas não conseguiu.

Posteriormente, teve um coágulo e acabou falecendo. Menashe confessou sentir uma enorme culpa.

Menashe é considerado, além de desafortunado, um inadequado em seu meio, pois não usa chapéu e nem o cafetã preto como os outros judeus ortodoxos. Em uma cena ele chega a questionar o shabbat (obrigatoriedade do descanso no sábado).

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Nessa cena vemos Menashe com as mãos cruzadas, indicando que está fechado. Também, ele está de canto uma metáfora de uma inadequação à comunidade.

Fica muito claro, que de uma forma inconsciente, o protagonista não queria estar naquela comunidade e a sua mentalidade não era igual a do meio, visto que, em muitos momentos ele questiona o rabino Ruv.

Em uma cena, Menashe e o filho vão comprar um quadro de um rabino, o que podemos compreender como devoção à religião.

No entanto, a pintura e a moldura destoam completamente do apartamento, simbolizando o próprio protagonista dentro da comunidade.

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Os personagens colocam o quadro de maneira extremamente desajeitada.

Em outro momento, o menino está com o pai brincando em uma árvore, quando seu quipá cai da sua cabeça, metáfora da desconexão deles com a comunidade.

Uma parte que me chamou a atenção foi as poucas cenas em que o Reiven brinca.

Ele vive somente na escola e estudando a Torá. Reiven tem um envolvimento grande no mundo dos adultos.

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Reiven com os adultos, visitando o túmulo da mãe.

A criança se preocupa com o pai bêbado em uma festa, com o protagonista sendo humilhado pelo patrão, com a opinião do tio à respeito do pai e com o fato deles sempre chegarem atrasados nos compromissos.

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Reiven passa a impressão de ser um adulto em miniatura.

A impressão que temos é que Reiven é um adulto em miniatura.

A educação que as crianças judias ortodoxas recebem visam protege-las do mundo, no entanto, as alienam. Ainda mais, que elas não podem ter acesso à internet e nem irem à um cinema ou teatro, por exemplo.

O mundo de Menashe tenta manter com unhas e dentes uma tradição com um custo muito alto.

As pessoas acabam vivendo em um gueto auto imposto, onde todos falam iídiche, são isolados da realidade, tendo suas vidas determinadas pela comunidade, mesmo vivendo nos Estados Unidos.

É muito complicado enxergarmos livre-arbítrio nessas situações, a do Menashe é completamente comprometida.

O filme passa sempre para nós uma empatia em relação ao protagonista. Sua simpatia e seu sofrimento nos afeta diretamente, mesmo sua vida e costumes sendo muito diferentes da nossa realidade.

O elenco de atores é formado em parte por não profissionais fato que deu muita autenticidade ao filme.

Fica a dica de um longa muito bom, com uma narrativa diferente e emocionante.